20/11/2015
A maior parte do ajuste fiscal tentado pelo governo até agora se deu via elevação de tributos - uma saída que tira competitividade das empresas e penaliza os mais pobres.
O país foi surpreendido na segunda-feira dia 9 de novembro, quando caminhoneiros começaram a bloquear estradas em 14 estados.
Nos protestos, mantidos ao longo de dias, eles queimaram pneus, provocaram engarrafamentos, dificultaram o abastecimento das cidades e causaram prejuízos para setores como os de leite e de carnes. Mobilizados via redes sociais e sob uma liderança de fora dos sindicatos tradicionais do setor, os manifestantes chegaram a pedir a renúncia da presidente Dilma Rousseff. Mas sua intenção de fato era pressionar o governo a adotar um piso para o valor do frete e reduzir o preço do óleo diesel - pauta que reflete a difícil situação que os caminhoneiros estão enfrentando. De janeiro a outubro, a demanda por transporte de carga no país caiu 3,3% devido à recessão econômica.
No mesmo período, o frete subiu 10%, perto da inflação, mas os custos operacionais aumentaram13%. Nenhumitem pesou tanto na conta quanto o combustível. O preço médio do diesel na bomba subiu 20%, para 3 reais por litro. Um terço desse avanço foi motivado pela decisão do governo de retomar a cobrança de impostos sobre os combustíveis que estava zerada há três anos. Desde fevereiro, voltaram a incidir sobre o diesel e a gasolina o programa de integração social (PIS), a contribuição para o financiamento da seguridade social (Cofins) e a contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide). No caso do diesel, os tributos representaram umacréscimo no preço de 0,15 real por litro.
Comisso, a despesa do setor de transporte rodoviário de carga com o combustível crescerá 5 bilhões de reais - para 88 bilhões neste ano, segundo o Ilos, centro de estudos em logística. "A conta do setor não está fechando", diz Maurício Lima, diretor do Ilos. "Veremos empresas demitindo, motoristas autônomos no prejuízo e menos renovação da frota, prejudicando toda a economia." Até o fechamento desta edição,no dia 13, os protestos,embora menores, continuavam enenhum dos pedidos havia sido atendido.
O setor de transporte de cargas não é o único a sofrer com o aumento da tributação. Com uma dívida pública que já está em 66% do PIB, o governo precisa melhorar suas contas - o déficit anual em setembro era de 9,3% do PIB. Até agora, o caminho principal para tentar equilibrar as finanças - o chamado ajuste fiscal - tem sido o da elevação de receitas, e não o do corte de despesas.
Cálculos da consultoria Tendências mostram que a equipe econômica encontrou dez maneiras de aumentar a alíquota de tributos em 35,2 bilhões de reais e quatro maneiras para economizar 22,4 bilhões em 2015. Não entram na conta 83 bilhões de reais em contingenciamento, gastos que são apenas congelados.
Aumentar a carga tributária é o meio mais fácil e rápido. Há impostos que nem sequer precisam passar pela aprovação do Congresso, como aqueles que incidem sobre os produtos industrializados e sobre as operações financeiras - eles passam a valer após a publicação de um decreto.
Além disso, a margem para cortar despesas é limitada. No Brasil, do jeito que as coisas estão hoje, o governo só tem espaço para mexer em 10% dos gastos, ante 33% nos Estados Unidos e 47% no Japão. "Caso esse problema não seja resolvido, teremos sempre deelevar a carga tributária para fechar as contas, com impacto negativo em toda a economia", diz o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal.
Um estudo do economista Paulo Rabello de Castro indica que, a cada aumento de 1 ponto percentual na carga tributária, o produto interno bruto potencial (aquele que se alcançaria com o uso pleno dos recursos) cai 0,5 ponto.
"O investimento privado recua com a redução dos lucros retidos para pagar tributos", afirma Rabello. "Isso reduz a produtividade e diminui a capacidade de a economia crescer."
Estudo mostra que cada aumento de 1 ponto percentual na carga tributária tira 0,5 ponto do potencial de crescimento da economia
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No setor químico há exemplo de como os investimentos - que já eram desanimadores - podem refluir ainda mais. Uma medida provisória de setembro, que ainda tramita no Congresso, prevê a elevação da alíquota do PIS e da Cofins cobrados sobre insumos de 1%, em 2015, para 9,25%, em 2017. Isso só veio complicar uma situação de incerteza: uma queda de braço entre a Petrobras e a Braskem, fornecedora de matéria-prima para o setor. Nesse cenário, a empresa polonesa Synthos cancelou um investimento de 250 milhões de dólares que faria para erguer uma fábrica de borracha no Rio Grande do Sul.
E a alemã Styrolution suspendeu a construção de uma fábrica de plástico na Bahia, no valor de 200 milhões de dólares. No caso de investimentos já realizados, com aumento da carga tributária, pode não haver retorno. A Multilaser, fabricante paulista de produtos de informática, tomou empréstimo de 100 milhões de reais com banco para montar uma fábrica de chips de memória no município de Extrema, em Minas Gerais. A ideia é atender ao mercado de eletrônicos no país.
A empresa contratou 120 engenheiros, nove deles vindos das Filipinas para treinar os profissionais locais. A fábrica ficou pronta em setembro do ano passado, quando o governo havia prorrogado até 2018 a isenção de PIS e Cofins de smartphones, tablets, notebooks e roteadores. Contando com essa vantagem, o plano era obter o retorno do investimento em quatro anos.
Mas uma medida provisória em discussão no Congresso acaba com o benefício. "Na melhor das hipóteses, teremos o retorno em seis anos", diz Eder Grande, diretor financeiro da Multilaser. "Na pior, as empresas vão importareletrônicos em vez defabricarno país,eo retomo não virá nunca."
O aumento da carga tributária deve dificultar o acesso dos mais pobres ao mercado consumidor e acentuar as desigualdades sociais. O setor de telefonia prevê pagar 8,4 bilhões de reais a mais de tributos com o ajuste fiscal em curso - uma quantia que representaduas vezeso lucro das empresasem2014.O valor diz respeito aos aumentos do imposto sobre a circulação de mercadoria e serviços nos estados, além do PIS, da Cofins e das taxas setoriais cobradas pela União. Um dos alvos do governo federal é triplicar o valor recolhido para o fundo de fiscalização da telefonia, chamado de Fistel.As empresasdo setor pagam perto de 27 reais pela ativação de um chip - o valor iria a 77 reais. Nas contas pré-pagas, em que os clientes gastam, em média, 12 reais por mês, as operadoras teriam de receber seis meses apenas para recolher a taxa ao governo.
O resultado deve ser o aumento do preço do serviço e, como consequência, a conta pode ficar alta demais para muitos consumidores. A Agência Nacional de Telecomunicações calcula que 40 milhões de usuários podem ser expulsos do mercado - principalmente quem tem conta pré-paga, os mais pobres. A pressão do setor fez o governo desistir da ideia neste ano, mas o ministro Nelson Barbosa, do Planejamento, já sinalizou que ela retornará em 2016. "A medida vai contra a inclusão social que o governo defende", diz Eduardo Levy, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia.
A carga tributária também alimenta a inflação. O banco Safra elevou a projeção do índice de preços no ano que vem de 6,3% para 7,2%. O motivo: a perspectiva de que a Cide sobre os combustíveis aumente mais uma vez e que os governos estaduais intensifiquem acobrançadoICMS.Parafechar aconta em 2016, a equipe econômica ainda defende a volta da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira, extinta em 2007. Está difícil vercomo a persistência nesse caminho vai tirar o país do atoleiro atual.
UMA BOLA DE NEVE
A ALTA DA INFLAÇÃO TRAZ À TONA VELHOS PROBLEMAS DA DINÂMICA DE PREÇOS NO PAIS: REAJUSTES COM BASE NO PASSADO E NA EXPECTATIVA DO FUTURO - MAIS PROBLEMAS PARA O BANCO CENTRAL RESOLVER
A inflação acelerou no Brasil neste ano. Nos 12 meses até outubro, o índice de Preços ao Consumidor Amplo subiu 9,9% - a maior taxa para o período desde 2003, quando foi de 11%. O aumento da carga tributária é um dos fatores que contribuem para a alta. Os impostos estão pressionando os custos do setor de serviços, como os de transporte e telefonia, que são repassados aos clientes.
Mas a maior parte do aumento diz respeito a velhos problemas da dinâmica perversa de comportamento dos preços no Brasil. Umdeles é a inércia, que ocorre quando os governos, as empresas e as pessoas, para proteger o poder de compra, usam nos reajustes presentes a taxa da inflação passada. Outro é a expectativa.
Como os preços não cedem, as pessoas começam a reajustar os contratos pensando que a inflação no futuro será pior. "Esses componentes estão ganhando peso porque a autoridade monetária está demorando a atingir a meta de inflação de 4,5%", diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central.
Dados do Banco Central mostram que, de 2004 a 2014, a inércia e a expectativa foram responsáveis, em média, por 13% da alta de preços. Um estudo da consultoria Tendências, no entanto, estima que neste ano o peso vai ser de mais da metade. Osefeitos disso serão sentidos na economia como umtodo. Se a inércia tivesse se mantidonamédiadaúltima década,ainflação de 2015 poderia ser de 8,2% em vez de 9,9%. Comisso, a taxa Selic poderia ficar em 11,75% - ela é de 14,25%.O produto interno bruto, por sua vez, cairia 2,5% neste ano, e não 3,2% como apontam as projeções.
Parte da inércia acontece naturalmente. Basta pensar em uma loja que aumenta o preço depois que o fornecedor elevou o custo de um insumo, uma forma de manter sua margem de lucro. "Esse tipo de movimento é mais forte em países como o Brasil, que têm um histórico de hiperinflação", diz Eduardo Araújo Lima, chefe do departamento de pesquisas do Banco Central. "Só uma política monetária efetiva consegue atenuar esse efeito." A boa notícia é que uma parcela dainércia podeser quebrada, mudando a regra de reajuste de contratos e salários com base no índice de inflação passado.A prática, chamada de indexação, teve início no Brasil em 1964. Três décadas depois, o Plano Real acabou com boa parte dela. Mas muitos contratos continuaram indexados - e eles compõem cerca de 30% dos itens acompanhados para calcular o índice de preços oficial.
O governo resolveu fazer algo a respeito. O Ministério do Planejamento negocia desde março com as centrais sindicais o reajuste de salário dos servidorescom basenainflação futura - a expectativa do mercado financeiro divulgada pelo Banco Central. Em junho, o Ministério de Minas e Energia anunciou que 12 clientes da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco passarão a ter os contratos corrigidos a cada ano, até 2037, com base em 70% da inflação passada e30% da expectativa quanto ao futuro.
A troca é boa - desde que a previsão seja de queda do índice de preços. No momento, os prognósticos dão esperança de que a inflação de 2016 seja de 6,5%. Alta, mas inferior à deste ano.O problema é que a cada semana as expectativas pioram. E o próprio Banco Central ali menta a fornalha ao estender o prazo que fixa para o alcance do centro da meta: agora, o objetivo ficou para 2017. "O governo perdeu a oportunidade de acabar com a indexação quando a inflação estava perto da meta", diz Márcio Milan, economista da Tendências. A cada oportunidade perdida, a bola de neve da inflação cresce.
Fonte: Flávia Furlan -Revista Exame
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